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Livros, imigração ilegal e um retorno...

 De forma completamente aleatória, percebi que li (estou lendo, na verdade), quase na sequência, três livros com a temática de imigração ilegal. Não foi proposital, mas no período de políticas Trumpistas que demonizam as imigrações ilegais, entre notícias com falas absurdas proferidas pelo tal ser e relatos de brasileiros deportados de volta ao país, comecei a refletir um pouco mais sobre o tema e o sobre a coincidência das leituras neste exato momento.

O primeiro livro que li no ano foi "Pachinko", um livro que estava na minha lista de leituras há muito tempo e guardava um profundo desejo de lê-lo. O que esperava encontrar era um livro escrito por uma sul-coreana (a minha primeira leitura sobre o país) que retrataria algo sobre a condição das mulheres no país. Encontrei muito mais do que isso. Encontrei um relato brilhante sobre a vida de uma família coreana pobre lutando para sobreviver, a pressão sobre a mulher no que se refere a relacionamentos, sexo e filhos fora do casamento, até que entra a imigração. Nesta caso, emigração para o Japão, país em processo de dominação e colonização sobre a Coréia, recebendo grande número de coreanos para serem alocados em subempregos, subjugados e restritos a condições desfavoráveis de moradia e alimentação. "Pachinko" foi, ainda, um livro sobre mulheres de diferentes gerações e as suas convivências com filhos, maridos, pais e a sociedade em que vivem, mas também foi um livro sobre a sobrevivência de coreanos no Japão, as suas condições de vida mesmo com o passar de décadas e em diferentes situações financeiras.

Depois voltei para o livro "Aqui estão os sonhadores", que comecei a ler no celular no finalzinho do ano passado, costume que só mantenho quando estou na cidade em que trabalho para evitar levar livros físicos ou kindle, itens extras que pesam na minha rotina. Ao retornar ao trabalho nesta semana, finalizei a leitura deste que foi o livro sobre o qual eu realmente tinha noção de que o tema imigração seria o foco. De uma escritora camaronesa, a escolha se deu pelo interesse em ler mais escritoras e escritores africanos (principalmente de fora da Nigéria) e o tema genuinamente me interessou, pois pensei ser o primeiro livro do meu acervo que trataria sobre isso. Neste livro, uma família de imigrantes passa por tudo que se espera: dificuldade para se manter financeiramente nos Estados Unidos (especialmente na cara New York), subempregos, moradia precária, satisfação em estar no país de desejo, medo de não conseguir se manter, envio de dinheiro para parentes distantes, reuniões com amigos conterrâneos e a busca pelo estudo como mudança de vida. Tudo aparentemente muito básico, mas numa narrativa interessante. O grande ponto de conflito é a relação entre duas famílias, a camaronesa e uma rica família norte-americana que se torna sua empregadora. Os dramas dos ricos com suas reuniões de trabalho intermináveis, filhos sem atenção dos pais, esposa solitária, marido infiel, filho revolucionário, festas com banquetes e crise financeira também não passa de um clichê, mas, novamente, ainda interessante pela forma como tudo se relaciona. Aviso que aqui vai um spoiler, então pare por aqui se não quiser saber, mas o fim é um tanto inesperado e inacabado, como deveria ser, já que é incerto: o retorno. Indignado com a série de azares que sofreu, com a hostilidade daquele país e com as condições de vida que vinha levando, Jendi, o marido e pai da família, decide que nada mais daquilo valia a pena e opta pelo retorno que, com o consolo dos dólares acumulados pela família, o faria muito mais feliz e bem-sucedido na sua pequena cidade no interior de Camarões. No entanto, não sem a discordância de sua esposa, satisfeita em poder estar em uma moderna cidade e com o tal poder de compra que a permitia comprar bugigangas em lojas de um dólar e bolsas de grife falsificadas, assim como também envergonhada de ter de voltar e encarar os que conhece. Ao fim, a grande reflexão é sobre o quanto vale estar em um país estranho que não te quer e não te oferece a realização do American Dream.

O terceiro livro entrou com plot de imigração totalmente por acaso. "O sol também é uma estrela" é um livro que estava parado há séculos no meu kindle e, como gosto de (sempre que possível) seguir a metodologia de "o que entra primeiro, sai primeiro", resolvi dar uma chance a ele. O que sabia é que seria um romance adolescente e, a julgar pela capa, acho que já teve adaptação para filme e se trata de um casal de um rapaz descendente de orientais e uma menina negra. Eis que o rapaz é descendente de coreanos, já marcando uma relação com "Pachinko" e... a menina, nascida na Jamaica, filha de pais que emigraram para os Estados Unidos ilegalmente, está prestes a ser deportada. Ainda não cheguei na metade do livro, mas está legal, simples, curto, na medida para as minhas distrações sem ser bobo em excesso.


Mas o que isso tudo tem a ver? Na verdade, nada em especial. Achei uma grande coincidência e tive vontade de escrever sobre isso. Também acho triste ver pessoas e famílias saírem dos seus países, deixarem pessoas próximas e coisas que consideram como lar (não apenas a casa em si, mas a sensação de lar, as comidas que gosta, os lugares, paisagens etc...) em busca de uma melhoria de vida diante de uma situação desesperadora de falta de oportunidades. Acho que é por ser um pouco medrosa e gostar de estabilidade, que também analiso que algumas pessoas parecem minimizar certos riscos e investem muito em busca de uma possibilidade tão incerta. Ainda assim, EU já pensei em emigrar (obviamente não de forma ilegal), mas a necessidade de um ambiente estável, o medo de correr riscos evitáveis e a falta de paciência em lidar com visões estereotipadas de outras pessoas, me fizeram optar por permanecer. 


Por fim, e por que, depois de um pouco mais de um ano eu resolvi voltar? Porque senti vontade!

Há cerca de um ano, quando deixei de escrever aqui, estava lidando com falta de tempo e de motivação, me senti engolida pelas demandas do dia-a-dia. Em algumas vezes sentia vontade de escrever sobre alguma coisa específica, algo que li, um acontecimento, uma reflexão, mas não chegava lá. Hoje, chegou. Mas já aviso que não ofereço garantias!

Comentários

  1. Oi!Bom ver você de volta aqui e trazendo este post com obras de temas tão atuais e relevantes. Já li o terceiro livro e tenho bastante vontade de ler Pachinko.
    Bjos!!
    Moonlight Books

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  2. Feliz em estar de volta e ter sua visita por aqui!

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  3. Acho que todos nós somos meio "medrosos" e preferimos a estabilidade do que tentar migrar ilegalmente para algum lugar, mas entendo que geralmente a migração ilegal é um momento de desespero mesmo, né? Até mesmo quem tem um pouco mais de condições aqui no Brasil e vai pros Estados Unidos, por exemplo, pode parecer que está indo de "malandragem", mas ainda acho que são pessoas que estão escolhendo passar esse perigo por não ver alternativas melhores, sabe? E sinceramente eu acho muito absurdo a existência de fronteiras que tornam a permanência de uma pessoa em um lugar "ilegal". Será que algum dia essa questão será superada? Sonhemos.

    Tenho interesse em ler Pachinko, mas me parece pesado, então acabo deixando pra depois (embora eu costume ler coisas pesadas com certa frequência jdfbjhrbafd)

    Beijinhos!
    camundonguinha

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  4. Oooie, tudo bem?
    Bem-vinda de volta, sempre um prazer ler seus textos. ♥
    Adorei as dicas e tô louca pra ler Pachinko também. Fizeram uma série, né?
    Me assusta ver como o mundo parece estar retrocedendo em termos de inclusão social. Acredito que a influência dos EUA só piora essa pressão e esses retrocessos. Tenho medo do futuro. :(
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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  5. Oi! Bem vinda de volta! Entendo essa falta de motivação pra publicar, mas sempre acabo voltando também porque é o único lugar para compartilhar as coisas que eu gosto, assim como você fez com os livros. Dos três eu só conheço o último pelo filme, mas não assisti tudo, pois não estava em casa, era uma televisão na rua. Parecia ser interessante, mas eu nunca procurei pra assistir completo.

    Até breve;
    Helaina (Escritora || Blogueira)
    https://hipercriativa.blogspot.com (Livros, filmes e séries)
    https://universo-invisivel.blogspot.com (Contos, crônicas e afins)

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  6. Olá,
    Só conhecia o primeiro e o último mencionados.
    Muito importante essa temática, tão atemporal, acho que ainda passando as décadas muito das questões ainda, infelizmente, ficarão.
    Eu tenho esse medo, em relação de mudanças e estabilidade também. Fico pensando em trocentas coisas se fosse me mudar pra outro país.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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